O ser humano adora simplificar as coisas. É uma característica do nosso cérebro transformar a informação complexa em conceitos simples.
Na generalização, a causa de todas as guerras, também reside a raiz do problema com as “fórmulas” para se escrever um livro.
Existem diversas receitas, modelos e outros recursos usados no storytelling, a arte de contar uma história.
Confesso que já estudei todos eles e mais alguns: começar pelo fim, começar pelo meio, começar pelo começo. A estrutura de três atos, o monomito, a jornada do herói, o herói de mil faces.
O plano linear, mostrar ao invés de contar, o momento espelho e dezenas de outras técnicas de escrita criativa foram criadas para tentar simplificar e dar um padrão à criatividade.
No entanto, isto é um terreno muito perigoso. Criatividade pressupõe uma distância segura do lugar comum e dos padrões.
As técnicas são importantes como base de conhecimento e para dar mais confiança ao escritor.
Quanto mais você as domina, mais livre fica para criar.
No entanto, nenhuma delas é garantia de que o leitor vai gostar do seu livro.
Um dos lemas da Pixar, a produtora de animação que superou a Disney na arte de contar histórias, traz a única receita simples e que realmente funciona:
“A história é soberana”.
O que isto quer dizer?
Que nenhum plano ou técnica deve ser mais importante do que a trama.
Ferramentas são relevantes dentro do processo de se escrever um livro, mas o que vai torná-lo realmente surpreendente, engajante e com alto poder de entreter é a qualidade da história.
Para fazer brainstorms e levantar ideias para uma boa história, não conheço técnica melhor do que começar com uma boa premissa.
A premissa, segundo o dicionário, é o ponto ou ideia que se parte para armar um raciocínio.
A premissa é a linha mestra, o raciocínio primordial, da sua trama.
Do ponto de vista da lógica, é cada uma das preposições que compõem um silogismo no qual se baseia a conclusão.
Dividir estas preposições em três é um caminho interessante quando o objetivo é criar uma história.
Uma boa premissa tem como base o QUEM > QUANDO > AGORA pontuado pelos grandes conflitos da história.
Por conflitos, entenda os conflitos internos, externos e interpessoais que o protagonista enfrenta ao longo da trama.
Partamos para as preposições:
- Quem?
Que personagem, o que ele faz e com qual objetivo?
- Quando?
Que conflito interno, externo ou interpessoal ameaça ou pode ameaçar física, psicológica ou socialmente suas ideias ou planos?
- Agora?
Que ação ele precisará tomar para colocar as coisas em ordem e satisfazer seus desejos?
Veja o exemplo de premissas de dois grandes best-sellers da ficção.
No romance erótico, “50 Tons de Cinza”, de E.L.James:
- Quem?
Uma jornalista entrevista um jovem empresário e descobre nele um homem atraente e profundamente dominador (conflito interpessoal).
- Quando?
Ingênua e inocente, ela se surpreende ao perceber que está desesperadamente atraída por ele (conflito interno).
- Agora?
Incapaz de resistir à beleza discreta, à timidez e ao espírito independente dela (conflito interno), o executivo admite que também a deseja – mas em seus próprios termos (conflito interpessoal).
Outro exemplo…
No clássico da ficção científica “Neuromancer”, de William Gibson:
- Quem?
Case é um cowboy da Matrix, uma espécie de alucinação coletiva digital (conflito externo) na qual a humanidade se conecta para, virtualmente, saber de tudo sobre tudo.
- Quando?
Ao tentar enganar seus patrões (conflito interpessoal), suas conexões com este mundo são cortadas e ele é obrigado a viver à margem da sociedade (conflito interno) nos subúrbios de Chiba City.
- Agora?
Ele conhece Molly, uma bela guerreira (conflito interpessoal) com olhos de inseto, que o convoca para uma misteriosa e perigosa missão (conflito externo).
Você pode até questionar os exemplos acima, mas não pode negar que eles impactaram milhões de leitores, um bom sinal do apelo de suas tramas.
Assim que você tiver em mãos uma boa premissa, parta para a segunda etapa que é desenvolver mais a fundo o seu enredo.
Lembre-se que, independente de qualquer regra, técnica, modelo ou formato de escrita criativa existente, a história é quem deve mandar.
Pense nisto e deixe fluir toda a complexidade criativa que existe em você!
***