Dia desses, conversando com uma pessoa sobre a velha oposição entre felicidade e dinheiro, concluímos que este último, após a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência e saúde, é capaz de gerar felicidade em três ocasiões:
- Quando você o usa para viver experiências, especialmente com as pessoas que você gosta, como uma viagem a dois ou em grupo, por exemplo;
- Quando você o compartilha, ou seja, para ajudar o outro, seja este outro conhecido ou desconhecido, o que costumamos chamar de generosidade;
- Quando você o usa para comprar o bem mais valioso que existe: tempo.
É sobre esta terceira opção que me apoio para defender o uso de Inteligência Artificial na escrita.
Antes de se exasperar com ideias superficiais sobre fim do mundo, plágio, preguiça ou reforço da estupidez humana, que tal se aprofundar?
O fato é que a escrita não é apenas uma arte, mas um ofício que exige disciplina e planejamento.
E, como toda arte, um pouco de inovação sempre cai bem.
Desde a invenção da roda, as inovações humanas buscam não apenas gerar mais conforto, mas liberar mais tempo para coisas menos urgentes do que a própria sobrevivência.
Se você tem tempo de sobra para se debruçar sobre um manuscrito e levar dez anos para trazê-lo ao mundo, tudo bem, é uma escolha.
Caso contrário, se deseja trazer mais eficiência e precisão para a sua rotina de escrita, fazer com que o tempo renda para outras atividades, ajudas são sempre bem-vindas.
Você pode contratar um secretário, um estagiário ou considerar uma mão tecnológica de ponta, da Inteligência Artificial, que doravante chamaremos apenas de IA.
Essa não é uma discussão para um futuro distante, mas para já.
O meu objetivo com esse artigo é desmistificar o uso de IA em seu dia-a-dia na escrita.
Com um adendo importante: de maneira ética, sem perder a autenticidade e sem correr riscos desnecessários de plágio, despersonalização do conteúdo ou desumanização da comunicação.
Para quem ainda não sabe, ou torce o nariz, IA pode ser um excelente mordomo.
Desta forma, vou apresentar 5 maneiras de você usar esse novo poder em sua rotina sem desvalorizar suas habilidades naturais.
A primeira maneira ética de usar IA na escrita é em…
1. Brainstorming
Você já esteve diante de uma tela em branco, com o cursor piscando e sua mente fazendo o mesmo?
Quem nunca?
A falta de inspiração é, talvez, a maior queixa de quem se embrenha na escrita de ficção.
Já não pode ser mais desculpa.
Quando se trata da geração de ideias ou solucionar problemas, fazer uma “tempestade cerebral” é o caminho.
No entanto, a eficiência no campo inspiracional geralmente requer muitas cabeças pensantes, justamente para poder escancarar o leque de perspectivas.
Imagine trilhões de cabeças te ajudando.
Certamente, isso vai contribuir para narrativas mais ricas.
O fato é que você pode passar horas, ou mesmo dias, ou meses, tentando elaborar um enredo envolvente.
Com IA, você pode ter uma série de ideias na mesa em segundos e se ver diante de soluções criativas que talvez nunca passassem por sua cabeça.
Se você está trabalhando com vários elementos em uma narrativa, por exemplo, IA ainda pode mostrar formas de entrelaçar tudo de modo coerente.
Você está em um beco criativo e não sabe como prosseguir com uma cena?
Ela pode sugerir infinitas possibilidades de continuação ou de solução.
E, pasme, pode combinar com a análise de tendências do mercado editorial, permitindo que você alinhe suas ideias com o que é atualmente popular ou inovador.
Outra vantagem é que IAs não têm preconceitos, nem sofrem com bloqueios criativos.
As ideias são geradas com base em dados e algoritmos, permitindo que você visualize opções que talvez nunca considere ou que descarte prematuramente.
Porém, antes de solicitar sugestões, tenha em mente o tema ou o cenário principal do seu livro.
Isso vai direcionar a ferramenta para um resultado mais alinhado com sua visão.
O que faz funcionar é a pergunta bem formulada, como diria Quintana.
Quanto mais refinado for o prompt, melhor a saída.
Eu te ajudo com perguntas que podem ser feitas em termos de tema, premissa, enredo e estrutura no e-book “Não Ficção com ChatGPT – Escreva Histórias Fabulosas com IA”.
Veja bem: as primeiras sugestões podem não ser perfeitas.
No entanto, a maioria das ferramentas permite que você regere novas e novas respostas.
Não hesite em ajustar seus prompts para obter diferentes resultados.
À medida que vai recebendo ideias, anote as que chamam sua atenção.
Se não estiver satisfeito, ajuste seus parâmetros e repita o processo.
Escolha as sugestões que mais lhe agradam e comece a desenvolvê-las em uma trama ou personagens mais completos.
Use sua intuição (que IA não tem!) para refiná-las e incorporá-las em sua narrativa.
Porém, antes de se comprometer totalmente com as ideias automatizadas, faça uma revisão crítica para garantir que elas realmente se encaixam na história que você quer contar.
IA não está aqui para substituir a criatividade humana, mas para dar um gás.
Sim, sou da corrente que crê na evolução tecnológica como parte integrante da evolução biológica.
Além disso, o nome do bicho é Inteligência e não Consciência Artificial.
É um mordomo e não a casa inteira, como alguns podem supor.
A maneira seguinte de usar IA na escrita é…
2. Revisão Ortográfica, Gramatical e de Estilo
Editar é como esculpir.
Você elimina o excesso para revelar a verdadeira obra de arte.
E, convenhamos, editar um livro pode ser tão ou mais desgastante quanto a escrita em si.
Nunca se esqueça: escrever é reescrever.
Você pode não considerar a reescrita, e deixar a pedra cheia de arestas, ou ficar reescrevendo para sempre, cometendo o pecado do perfeccionismo, final triste de muitos livros que não saem da gaveta.
IA pode te ajudar muito na etapa de autoedição, tornar-se um segundo par de olhos.
Mesmo o mais meticuloso dos escritores pode deixar escapar um erro de digitação ou de concordância, pontuação, conjugação, regência, mau emprego de pronomes e crases.
Seu texto bruto ainda pode conter ambiguidades e redundâncias.
As ferramentas não apenas garantem que essas falhas sejam corrigidas, mas também podem sugerir melhorias estilísticas.
Com isso, a narrativa pode ficar mais fluída e agradável.
Imagine o tempo economizado por não ter que reler seu texto várias vezes em busca de erros, sejam eles minúsculos ou maiúsculos.
Você vai receber um feedback em tempo real, o que permite ajustes imediatos.
Isso libera mais energia mental para o que realmente importa: ser criativo.
De qualquer forma, não se esqueça que IA é uma ferramenta, não uma substituta para o seu julgamento.
Não aceite tudo sem questionar, revise as sugestões oferecidas.
Por fim, faça uma última leitura para garantir que tudo está como você deseja.
Também considere passar o texto por editores e revisores humanos experimentados, que poderão agregar experiências intuitivas ao seu texto, coisa que IA não é capaz.
A próxima maneira de incorporar IA ao seu ofício é…
3. Geração de Estruturas, Sinopses e Resumos
Já falamos por aqui de escritores jardineiros e escritores arquitetos.
Nenhum é melhor do que o outro.
O jardineiro pode ser mais criativo, mas corre o risco de se perder.
O arquiteto pode ser mais eficiente, mas pode se engessar.
Não é à toa que o caminho do meio é o mais indicado.
Assim, uma estrutura base é fundamental na escrita de uma história coesa, coerente e clara.
Saber pelo menos de onde sair e onde se quer chegar ajuda muito, não apenas no trânsito.
Vai, no mínimo, auxiliar o escritor jardineiro a plantar melhor.
Além disso, escrever um romance é uma tarefa complexa, que requer mais do que apenas talento literário.
IA pode te ajudar, por exemplo, a mapear o arco da história, sugerindo uma sequência lógica e emocionante para eventos e capítulos.
Isso, no mínimo, pode te ajudar a fugir da lógica e dos lugares-comuns e buscar soluções mais criativas para uma sequência ou cena.
Então, não caia nessa historinha de que IA vai acabar com o ofício da escrita.
Ela é também muito útil na hora de escrever a sinopse, o primeiro aperto de mão entre o seu livro e o mundo.
Uma descrição vendedora precisa ser forte, impactante e memorável.
Esse é o objetivo de um “discurso de elevador”, convencer alguém a comprar algo de você em menos de 30 segundos.
Com a mãozinha da IA, esse processo pode ser mais eficaz e menos intimidante, especialmente para escritores que não curtem muito o marketing.
Você já se viu passando horas tentando condensar 300 páginas em um parágrafo atraente?
IA pode gerar um resumo em segundos.
E isso significa objetividade, pois uma máquina não tem preferências.
Ela pode resumir o essencial do seu enredo sem se perder em detalhes que você, como autor, considera preciosos, mas que podem não ser cruciais para uma sinopse vendedora.
Os algoritmos vão surpreender você com abordagens ou ângulos que não havia considerado, adicionando um frescor benéfico ao resumo da sua história.
Às vezes, nós, autores, estamos tão envolvidos com a obra, que perdemos a perspectiva da simplicidade.
IA pode ajudar a destacar o que é realmente importante.
Você pode gerar várias versões e checar qual delas tem mais apelo para o público ou para editores, fazendo ajustes conforme necessário.
Uma dica importante em relação ao uso de IA, seja em que parte for do processo, é não esperar que a primeira estrutura, a primeira sinopse, a primeira sugestão de ideia sejam perfeitas.
Lembre-se de usar muito o botão “Regerar resposta”.
Faça ajustes nas informações fornecidas, melhore seus prompts e gere várias versões de respostas.
Mostre a sinopse a algumas pessoas para obter opiniões, pois o feedback humano é essencial.
Compartilhe, se possível, com outros escritores, amigos ou familiares para obter opiniões.
Com base na avaliação, refine e gere uma versão mais conectada aos seus anseios.
A quarta maneira de usar IA na escrita é na…
4. Pesquisa
O ato de escrever é muitas vezes uma dança delicada entre a criatividade e a pesquisa.
Às vezes, você se pega em um impasse criativo, precisando de informações detalhadas sobre personagens, cenários, ou mesmo sobre a época em que sua história se passa.
Enriquecer uma história exige horas de pesquisa.
Dia desses, estava escrevendo um conto de ficção científica e procurava uma descrição incomum para a pele de um androide.
Eu poderia levar muitas horas até chegar a “feita de matéria biomimética” para dizer que era muito parecida com a pele humana, mas ainda assim diferente.
IA me sugeriu a constituição da pele robótica em menos de um segundo e eu gostei da ideia.
Assim, tente enxergar IA como uma aliada poderosa, capaz de reforçar ainda mais suas descrições de personagens e cenários.
Pare e pense: quais seriam as outras formas que eu teria para pesquisar?
Google; outros livros e artigos científicos; ou visitando um laboratório de pesquisas cibernéticas.
Por que, se os algoritmos de IA podem varrer a internet ou bancos de dados em questão de segundos, trazendo informações como um raio?
Diferentemente de uma pesquisa manual, IA pode vasculhar profundidades do conteúdo que você sequer teria tempo, habilidade ou talvez acesso para explorar.
Ela pode oferecer uma gama variada de informações, desde análises de caráter psicológico até descrições de cenários geográficos ou históricos.
Com isso, você garante que os elementos da sua história sejam mais detalhados e, com isso, mais convincentes.
Mas, novamente, não se contente com as respostas apenas por que são mais rápidas.
Sempre valide as informações fornecidas, pois a máquina pode ser veloz, mas continua sujeita a erros.
Confirme a autenticidade e a precisão de informações antes de incorporá-las em seu texto.
Por fim, IA pode ser muito útil em sua escrita na…
5. Tradução
Ah, a tradução, essa vontade de extrapolar as fronteiras da língua com sua história!
Quem nunca pensou em ser lido no mundo inteiro?
Acredite, os dias de traduções desajeitadas e descontextualizadas estão contados.
Um dos maiores benefícios da IA é a rapidez com que ela é capaz de traduzir textos.
Há, é claro, idiomas em que a precisão é maior, justamente por se ter mais dados de treinamentos.
O ChatGPT, por exemplo, uma das ferramentas de linguagem automatizada mais usadas, tem competência para traduzir para inglês, espanhol, alemão, francês, italiano, holandês, russo, chinês simplificado e japonês.
Além do inverso, é claro, dessas línguas para o português.
Como seus algoritmos estão cada vez mais avançados, ele pode fornecer uma tradução bastante precisa em termos de gramática e sintaxe.
No mínimo, a tradução com IA permite que você experimente seu conteúdo em diferentes idiomas antes de se comprometer com a uma tradução humana completa, o que é bem caro.
Se você já tem uma tradução e precisa revisá-la, IA também pode comparar as versões e sugerir melhorias.
Antes de traduzir um livro inteiro, experimente com um capítulo ou uma seção, isso lhe dará uma boa ideia da qualidade da tradução.
Só fique atento, pois a maioria das ferramentas ainda é falha em entender contextos ou nuances.
Se sua obra contém terminologias específicas, um glossário pode ajudar a ferramenta a entender melhor o contexto e fornecer uma tradução mais precisa.
Assim, revise o texto traduzido com foco em contexto, nuances e terminologias e faça ajustes conforme necessário.
Se possível, obtenha feedback de um nativo do idioma, para não deixar nada escapar ou soar estranho.
Para uma camada adicional de precisão e qualidade, considere contratar um tradutor humano para revisar a versão final.
Só não se esqueça que livros não se vendem sozinhos, nem em português, nem em qualquer outro idioma.
Além de portar o conteúdo para outra língua, você também precisa portar o marketing.
Antes de encerrar, quero deixar claro que IA é uma tecnologia que não só otimiza, mas também enriquece seu processo de escrita.
Longe de ser um substituto para a criatividade humana, ela atua como um complemento, ajudando você a alcançar níveis mais altos de eficiência e excelência.
O escritor que consegue integrar criatividade com inovação, tem tudo para prosperar na complexa paisagem literária de hoje.
Os que não conseguirem, infelizmente, vão ficar para trás.
Você está pronto para dar este salto tecnológico integrando IA à sua rotina de escrita?
Deixe suas percepções nos comentários e vamos conversar de maneira educada.
2 comentários em “5 Maneiras Éticas de Usar a Inteligência Artificial na Escrita Criativa”
Concordo! Usei o ChatGPT para melhorar a redação do meu livro Amistad Fierro em A Invenção da Amizade, cujo texto eu escrevi em 2017, já tinha lido e relido quatro vezes, e ainda não estava seguro quanto a publicação. A IA me encorajou e me ajudou muito. Não dá pra confiar em relação a gramática. Eu escrevi errado: “nenhum nem outro” – o correto deveria ser: “nem um nem outro” -, e o chatGPT não corrigiu. Também não confie na aplicação das crases. Também recomendo tomar cuidado com a padronização de alguns textos, quando você pede para reescrever determinados parágrafos que você escreveu e não gostou. Mas os “insights” são ótimos. Usei o MidJourney para criar a capa e já recebi um elogio de um editor. Para conhecer o livro visite: https://goncalvesjunior.com.br/amistad-fierro-em-a-invencao-da-amizade/.
Há algum tempo iniciei a elaboração de um livro sobre Solução Criativa de Problemas, tema em que trabalhei por muitos anos. Tudo correu bem, até que empaquei no terceiro capítulo. Estava com duvidas sobre como estruturar o capítulo. Entrei no ChatGPT, versão 3.5, e solicitei ajuda para escrever o tema do capítulo. A resposta foi um texto muito básico, mas muito bem estruturado. Era o que me faltava, aproveitei a estrutura e enriqueci o texto com meus conhecimentos sobre o tema.