No primeiro capítulo da série “Anatomia de um BestSeller”, esmiuçamos o poder dos Temas Universais, a cola que faz um livro transcender o papel e marcar leitores para sempre.
No segundo, mergulhamos no Enredo, a base estrutural de qualquer história.
No capítulo de hoje, entramos de sola no terceiro ingrediente dos Best-Seller, os PERSONAGENS.
Qual é o seu maior desejo?
Você já parou para pensar na distância entre aquilo que você mais quer e aquilo que você realmente precisa?
E o que te impede de alcançar seus objetivos?
Uma barreira interna, como a preguiça ou a falta de coragem, ou uma força externa, como a situação econômica ou alguém próximo que vive colocando obstáculos?
E o que isso tem a ver com a criação de personagens?
Absolutamente tudo!
Se você deseja criar um personagem verossímil, com o qual seu leitor se identifique, você vai precisar ir além de características físicas, vai precisar conectá-lo ao leitor.
Nos últimos 12 anos, como autor e como editor na Casa do Escritor, tenho estudado a fundo as características que fazem com que livros caiam no gosto popular.
Nesta série, trago para você 10 ingredientes que tornam livros inesquecíveis com exemplos e dicas práticas para você aprimorar sua escrita.
O terceiro grande aprendizado que quero compartilhar com você é…
“Personagens verossímeis e em crescimento transformam simples narrativas em best-sellers inesquecíveis”
Para criar boas histórias, você vai precisar de grandes personagens, com virtudes, defeitos, crenças, desejos e necessidades.
Mas, antes de tudo, que eles se conectem diretamente com as emoções e anseios do leitor.
Personagens relacionáveis são a força vital que impulsiona uma narrativa memorável.
Eles atuam como pontes emocionais entre o mundo da história e a realidade do leitor, tornando a experiência de leitura profundamente pessoal e impactante.
Assim, antes de começar a escrever sua história, pense no seu leitor ideal.
Quais são seus anseios, seus medos, seus desejos mais profundos?
Ao se conectar emocionalmente com desejos e necessidades do leitor, você vai construir personagens inesquecíveis.
Eles não apenas habitarão as páginas do livro, mas também o coração e a mente de quem lê.
Frodo Bolseiro, o hobbit protagonista de “O Senhor dos Anéis”, é um herói relutante, por exemplo.
O fardo que ele carrega são sentimentos que muitos de nós podemos entender.
Quem nunca sentiu o peso do mundo nas costas?
Frodo é um exemplo clássico de um personagem comum enfrentando circunstâncias extraordinárias.
Já Hermione Granger, da série “Harry Potter”, mesmo sendo um pilar de inteligência e lealdade, é cheia de inseguranças que a tornam um reflexo para os leitores adolescentes.
Seus dilemas são os mesmos de quem sai da infância e se depara com o mundo adulto.
Santiago, o pescador de “O Velho e o Mar”, é outro exemplo dessa conexão.
Sua luta solitária contra um peixe gigante é uma metáfora poderosa para os desafios humanos de determinação e resiliência.
Portanto, personagens que saem da história e entram para a História são aqueles capazes de encapsular aspectos da experiência humana com os quais todos nós podemos nos identificar.
É essa qualidade de conexão que faz de uma história algo mais do que apenas palavras em uma página, tornando-a um espelho da alma humana.
E como você pode alcançar isso com os seus personagens?
1. Torne-os humanos e complexos
Personagens devem ser de carne e osso, ou seja, apresentar qualidades humanas, mesmo que sejam androides, alienígenas ou bichos de pelúcias que falam.
A receita para isso está em torná-los multidimensionais.
Você consegue isso dando a eles profundidade emocional, complexidade ética ou moral e fraquezas humanas.
A profundidade emocional abrange os sentimentos, desejos e vulnerabilidades do personagem.
Emoções reais dão vida, tornando-os reais.
A complexidade ética ou moral está relacionada ao conjunto de valores e crenças que orientam as decisões e ações do personagem.
Isso adiciona camadas de personalidade interessantes e frequentemente o coloca diante de dilemas que desafiam suas convicções.
Já as fraquezas humanas são as imperfeições que tornam o personagem falível e, portanto, imperfeito como nós.
As falhas podem ser de caráter, de habilidade ou até mesmo físicas.
Muitas vezes, elas servem como obstáculos que o personagem deve superar.
Defeitos de caráter têm mais relação com objetivos do que você imagina.
No fundo, são eles que nos mantém longe de alcançarmos nossas metas e que acabam tornando os obstáculos mais intransponíveis.
Tomemos como exemplo os “pecados capitais”…
A preguiça leva à dificuldade de realização.
A gula à desistência.
A avareza à solidão.
A luxúria à falta de sentido na vida.
A inveja à autodestruição.
A ira leva à loucura.
A soberba à ruína.
Personagens multidimensionais não são apenas mais interessantes para ler, mas também mais convincentes e, portanto, mais capazes de sustentar uma história complexa.
Eles tornam-se verdadeiros para o leitor, criando uma conexão emocional que transcende as páginas do livro.
Vamos de exemplos?
Jay Gatsby de “O Grande Gatsby”, de F. Scott Fitzgerald, à primeira vista é um personagem deslumbrante com sua riqueza extravagante e festas opulentas.
Mas ele esconde uma angústia, que vamos descobrindo aos poucos.
À medida que a história se desenrola, mergulhamos em sua profundidade emocional, no amor perdido.
E nos deparamos com uma ética questionável, que o levou a adquirir sua riqueza, na busca desenfreada pelo sonho americano.
Jay é profundamente falho, obcecado pelo passado e pelo amor não correspondido, e é essa complexidade que o torna tão fascinante.
Apesar de eticamente ambíguo, ele nos cativa com seu otimismo.
Outro exemplo notável é Lisbeth Salander da série “Millennium”, começando com “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, de Stieg Larsson.
Lisbeth é uma hacker brilhante com habilidades sociais limitadas e um passado traumático.
Ela é capaz de passar por cima das leis para fazer o que acredita ser certo.
Suas falhas humanas, incluindo a incapacidade de se conectar emocionalmente com a maioria das pessoas, fazem com que o leitor torça por ela.
Assim como Humbert Humbert de “Lolita”, de Vladimir Nabokov.
Nabokov confunde os limites éticos e morais das relações, ao nos apresentar um homem maduro obcecado por uma adolescente.
O que torna H.H. uma realização literária notável não são suas ações, mas a profundidade emocional com que o autor o pinta.
Ele é charmoso, erudito, mas imoral.
E isso leva o leitor a mergulhar em um labirinto emocional e ético.
Descubra como criar personagens multidimensionais e verossímeis que cativam leitores e elevam sua história ao nível de Best-Seller.
A chave para criar personagens multidimensionais é a atenção meticulosa aos detalhes, como você verá adiante.
Seus medos, desejos, falhas e forças devem ser tão bem definidos quanto suas características físicas.
Mas isso não pode ser de graça.
Eles precisam de um passado, uma razão para serem como são e uma motivação para o que estão tentando alcançar.
Falhas humanas, como orgulho excessivo, insegurança ou teimosia, tornam um personagem mais acessível e conectável ao leitor.
Porém, é igualmente importante não deixar essas falhas se sobreporem às virtudes.
Um personagem pode ser falho e ainda assim ter um forte senso de certo e errado.
Internamente, eles precisam lutar com seus dilemas éticos ou morais que, em última instância, desafiam suas próprias crenças e desejos.
Essa mistura de profundidade, complexidade e fraquezas cria um ser humano fictício que respira, pensa e sente de uma maneira capaz de nos fazer esquecer que estamos lendo uma história.
A segunda dica é…
2. Metas claras e um passado bem elaborado tornam um personagem vivo
Quando se trata de dar vida a personagens, três elementos se destacam: objetivos, motivações e história pregressa.
Se você trabalhar bem esses quesitos, criará personagens que ficam com o leitor muito depois dele ter terminado o livro.
São aqueles personagens que nos fazem rir, chorar, e mais importante, nos fazem pensar.
Jean Valjean, de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, por exemplo, pretende alcançar a redenção e viver uma vida honesta após ser liberado da prisão.
Esse objetivo é alimentado por sua motivação de ser um homem melhor, tanto para si quanto para Cosette, a filha de Fantine, que ele adota.
A história pregressa de Valjean, que inclui dezenove anos de prisão por roubar um pedaço de pão, oferece uma explicação convincente para suas ações e decisões, tornando-o um personagem com quem os leitores podem se relacionar e torcer.
O mesmo pode ser dito sobre Offred em “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood.
Seu objetivo é sobreviver em uma sociedade distópica que a oprime.
Sua motivação é a esperança de um futuro melhor e a possibilidade de rever sua filha.
Sua história pregressa inclui memórias de um mundo livre e o doloroso processo de ter seus direitos retirados, criando uma personagem complexa e profundamente humana.
Na esfera da fantasia, Tyrion Lannister, de “As Crônicas de Gelo e Fogo”, de George R.R. Martin, também é um exemplo notável.
Seu objetivo de encontrar lugar em um mundo, que o rejeita por ser um anão, é alimentado por uma mistura de autopreservação, desejo de reconhecimento e um profundo senso de justiça.
Sua história pregressa é carregada de rejeição familiar e isolamento, tornando suas vitórias mais doces e suas derrotas ainda mais trágicas.
Ter objetivos claros ajuda a orientar a narrativa e dá ao leitor algo pelo qual torcer.
As motivações adicionam camadas de complexidade e ajudam a explicar por que um personagem toma certas decisões.
E uma história pregressa bem elaborada fornece contexto e adiciona profundidade e dimensão.
Tome cuidado apenas para não abusar de histórias pregressas para não sobrecarregar nem desviar o foco da trama principal.
A chave está em equilibrar esses elementos de forma que eles se complementem e contribuam para o arco geral da história e do personagem.
A terceira dica é…
3. O poder de uma história bem contada frequentemente reside nos detalhes
Diálogos realistas, conflitos subjacentes e uma representação precisa e sensível de diferentes culturas e grupos sociais, muitas vezes considerados detalhes em uma história, trabalham em conjunto no envolvimento do leitor.
Vamos de exemplo?
O diálogo realista entre os membros da família Joad, em “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck, captura autenticamente as preocupações da classe trabalhadora durante a Grande Depressão.
As conversas frequentemente giram em torno de preocupações imediatas, como encontrar trabalho ou comida, e são infundidas com o dialeto e as expressões da época e do local.
Isso adiciona autenticidade e aumenta a conexão com o leitor.
A tensão palpável decorrente da pobreza e do desespero serve como um conflito subjacente que impulsiona a narrativa.
No entanto, esses detalhes não existem no vácuo, não são incluídos de graça.
Eles são moldados pelo mundo em que os personagens vivem.
Em “Paraíso Perdido”, de Toni Morrison, a autora se baseia em uma extensa pesquisa, e na própria sensibilidade cultural, para retratar uma comunidade afro-americana em Oklahoma.
Os diálogos são enriquecidos por gírias e expressões locais, enquanto os conflitos internos e externos são informados pelas experiências únicas dos personagens dentro dessa comunidade.
Outro grande exemplo?
“O Deus das Pequenas Coisas”, de Arundhati Roy, se passa na Índia e lida com as complexidades do sistema de castas, bem como com questões de gênero e da política de uma cultura milenar.
O diálogo é meticulosamente construído para refletir o modo de falar e os costumes locais, enquanto os conflitos surgem tanto de tensões familiares quanto de injustiças sociais.
A autora também fez um trabalho extenso de pesquisa para garantir que a representação da cultura indiana fosse tanto autêntica quanto respeitosa, evitando estereótipos e simplificações.
Assim, se for possível, passe um tempo pesquisando, observando e, em alguns casos, vivendo dentro das culturas e grupos que deseja representar em suas histórias.
Isso enriquece e adiciona uma camada de autenticidade à narrativa.
A combinação desses elementos permite que você crie uma trama ressonante e, ao mesmo tempo, socialmente consciente.
Isso captura a imaginação do leitor enquanto desafia suas preconcepções e expande seus horizontes.
Por fim…
4. Bons personagens crescem com suas relações e se transformam
O arco de crescimento de um personagem e suas relações significativas com outros são componentes vitais para uma narrativa com poder de conexão.
Esses elementos não apenas adicionam profundidade à história, mas também engajam o leitor em um nível emocional, permitindo a imersão na trama.
Quem nunca leu uma história de ficção achando que era real?
Em “O Caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini, Amir passa por um arco de crescimento significativo, influenciado principalmente por sua relação com Hassan, seu amigo e servo.
A culpa que sente por não proteger Hassan quando criança o persegue até a idade adulta, e é essa culpa que eventualmente o motiva a resgatar o filho de Hassan, Sohrab.
A evolução de Amir e sua relação com Hassan fornecem um fio condutor emocional que mantém os leitores engajados.
“1984”, de George Orwell, nos oferece outro belo exemplo de crescimento.
Winston Smith começa como um cidadão obediente de Oceania, mas sua relação com Julia serve como o ponto de partida para questionar o regime opressivo sob o qual vivem.
Embora a ponta final do arco seja trágica, sua relação com Julia é vital para entender a extensão de sua rebelião e o custo humano da opressão.
Todos esses personagens são como um veículo, oferecendo ao leitor um meio para experimentar a jornada.
É gratificante ver um personagem superar desafios, aprender com seus erros e crescer como pessoa.
Isso ajuda o leitor também a se transformar.
Um personagem também aprende e cresce na relação com outros personagens.
Relações significativas ampliam o desenvolvimento ao fornecer pontos adicionais de conflito ou colaboração.
Descubra como criar personagens multidimensionais e verossímeis que cativam leitores e elevam sua história ao nível de Best-Seller.
Elas servem como catalisadores para mudanças importantes ou oferecem contrastes capazes de destacar as características únicas do protagonista, por exemplo.
Em meu livro “Personagens Fabulosos – O Segredo para Criar Personagens Inesquecíveis” eu abordo a contraposição entre desejos e necessidades na construção de personagens humanos e complexos.
Nele também abordo os nove personagens necessários para contar uma história, como desenvolver suas características e também como trabalhar as forças antagônicas, o motor de uma história.
Se você já tentou escrever uma história, mas sente que ela não está funcionando bem, pode ter certeza: falta antagonismo.
No livro, também mergulho no poder dos arquétipos na construção de personagens relatáveis.
Muitas características e diversas pequenas informações precisam ser conectadas para oferecer compreensão e visualização satisfatória das peças no grande tabuleiro de uma trama de ficção.
Lá no fundo, tudo o que você precisa fazer é criar um conflito capaz de ecoar no leitor.
Ao ver uma maçã cair de uma árvore, Newton criou uma fórmula para representar a lei da gravidade.
Depois de ler centenas de livros, e de estudar a fundo cada parte da escrita criativa, cheguei a uma fórmula para criar conflitos e, com isso, personagens poderosos:
Personagem + Desejo x Necessidade + Obstáculo = CONFLITO
Ou seja, o conflito nasce da interação entre um personagem com um desejo específico (geralmente externo) e uma necessidade profunda (geralmente interna), desafiado por um obstáculo.
Isso cria a tensão e o drama que mantêm os leitores vidrados na sua narrativa.
Tomemos o exemplo de Harry Potter:
Harry Potter (bruxo) + Desejo de vingar a morte de seus pais x Necessidade de encontrar sua própria identidade e sentido de pertencimento + Sendo uma Horcrux involuntária (que liga seu destino ao de Voldemort) = CONFLITO.
Veja como funciona com dois livros que venderam milhões de cópias, “O Código Da Vinci”, de Dan Brown, e “Cinquenta Tons de Cinza”, de E.L. James:
Robert Langdon (simbologista) + Desejo de saber como Soniére foi morto (e assim ajudar sua neta Sophie) x Necessidade de superar a claustrofobia + Polícia tendo-o como principal suspeito (Fache) = CONFLITO.
Anastasia Steele (estudante) + Desejo de se envolver amorosamente com Christian Grey (o misterioso bilionário que ela entrevista) x Necessidade de ser independente + As preferências sexuais nada ortodoxas dele (Sadomasoquismo) = CONFLITO.
Tal maneira de construir personagens é a base das narrativas vendedoras que ensino em minha oficina criativa “A Joia da Coroa”.
O obstáculo precisa ser grande, ameaçar não apenas o desejo externo como a necessidade interna.
O fato é que todo conflito nasce de uma ameaça, que pode ser física, emocional ou social/profissional, ou uma mistura delas.
Grandes ameaças estão ligadas a questões literais ou metafóricas de vida ou morte.
Langdon pode ir para a cadeia e perder seu status (morte social).
Anastasia pode não suportar a dor em uma relação sadomasoquista (morte física), além de perder a afeição do homem que ama (morte emocional).
O conflito é grande quando o risco é alto, quando o oponente é poderoso, quando o desejo do protagonista é forte.
Para terminar, deixo você com questões para te ajudar a criar personagens multidimensionais, com metas claras e alto poder de transformação.
As principais perguntas que precisam ser respondidas são:
- Qual é o DESEJO concreto (externo) do seu personagem? O que ele quer?
- Qual é a sua NECESSIDADE emocional (interna)? O que ele realmente precisa superar para crescer?
- Quais são os obstáculos que impedem o personagem de conseguir o que deseja?
- Como esses obstáculos se tornam progressivamente mais difíceis para o personagem navegar?
A jornada de negociação de obstáculos ajuda o personagem a vivenciar uma transformação emocional interna que permite que obtenha o que realmente necessita.
Assim que ele ou ela tiver o que necessita, será capaz de superar o obstáculo final e conseguir o que deseja.
Com personagens bem delineados, o próximo ingrediente do Best-Seller, que abordaremos na parte IV, é a imersão na ambientação.
Adoraria ouvir você e sua experiência sobre a construção de personagens.
Que personagens mais marcaram você?
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